Rosa Alice Branco

Rente ao chão [PT] || À ras du sol [FR] por Rosa Alice Branco

Chegaram as fotos do meu livro em argila. Pelas mãos da escultora francesa Marie-José Armando, o livro ganhou a forma de seixo da praia, e é uma caixa com o poema lá dentro. Não parece mesmo uma pedra rolada pelo mar?

Rente ao chão [PT]

Caminhar com o chão a roer os pés.
Deixa-me atravessar a noite que falta
para o dia, joeirar as pedras. As pedras
que apanhámos no mar sentadas no fundo
da arca e eu em pé todas as horas que faltam
para a vida. Um lençol antigo da minha avó
costumava rolar a rolar sob as carícias.
Agora deixou de respirar. A arca
rangia ao abrir os olhos para os tesouros:
o mar nas tuas pedras, a luz nas mãos
que me guiavam para a luz. Ando às cegas
e os meus pés roem o brilho da calçada.

À ras du sol [FR]

Marcher avec le sol à m’en ronger les pieds.
Laisse-moi traverser ce qui reste de nuit
avant le jour, cribler les galets. Les galets
ramassés dans la mer assis au fond
du coffre et moi debout toutes ces heures qui manquent
à la vie. Un ancien drap de ma grand-mère
avait l’habitude de s’enrouler sous les caresses.
Il a désormais cessé de respirer. Le coffre
grinçait en ouvrant les yeux sur ses trésors :
la mer dans tes galets, la lumière dans les mains
qui me guidaient vers la lumière. Je marche à
l’aveuglette
et mes pieds rongent l’éclat du trottoir.