
Quase em simultâneo, foram publicados dois livros de poesia que gravitam em torno da ideia de amor fraternal. Na sequência 42 canções entre 2 Portas (segunda parte do volume De Amore, Assírio & Alvim), Armando Silva Carvalho cria um delicado «ofício de treva» para a irmã Genovena, canto doloroso de quem já nada sabe «soprar sobre / as palavras» e se mostra incapaz de «burilar o luto». Por seu lado, Rosa Alice Branco dedica Concerto ao Vivo (&Etc) «ao meu irmão João», cuja ausência cria nos poemas uma espécie de «futuro póstumo», nascido da certeza de que alguém saiu «antes da hora».
Embora omnipresente nestes versos, o espaço deixado vazio é uma realidade implícita, intuída através de subtis elipses («Pensei que ia ser assim. Tu a fugires / e a mãe inquieta até chegares / com o tropel de asneiras / que te seguiam como um cão. // Mas era um cão vadio / que não sabe a volta»). A morte dissolve a ordem das coisas, alisa os vincos do tempo e acende o passado («Agora somos todos pequenos»), obrigando a escrever «para trás». Surgem então as experiências comuns de quem cresce vigiado pelo rigor familiar, as cumplicidades e embirrações, memórias límpidas do riso atirado à água (voltando «sempre / em ondas circulares»), retratos fugidios de uma tristeza inclinada.
Na grande «extensão do amor» cabem outras figuras, como a avó e a mãe, sobretudo esta, retratada como alguém que se entregava completamente, apesar da rigidez e de um «ar distante», o rosto sempre «coberto por uma neblina / que me deixava perdida / como se um temporal tivesse furado / o cerco das árvores». Ao rememorar, Rosa Alice Branco refaz o mundo da infância e da adolescência em ambiente rural, com raparigas a irem buscar água à fonte e uma carnalidade que toca os corpos quando a «primavera rebenta pelas costuras», mas sabe que nenhuma imagem a conseguirá ajudar. Porque estes poemas elegíacos procuram o que não pode ser encontrado: «Agora que tirei o tempo / dos avessos, tenho tudo por dizer (…) E confesso que quando / venho à tona dou comigo a perguntar // porque não aprendeste a ficar cá».
[Texto publicado no n.º 116 da revista Ler]
Concerto ao Vivo
Autora: Rosa Alice Branco
Editora: &Etc
N.º de páginas: 66
ISBN: 978-989-8150-36-3
Ano de publicação: 2012
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